Filhote de tamanduá sobrevive a queimadas e se recupera

Filhote de tamanduá sobrevive a queimadas e se recupera
O Hospital Veterinário (Hovet) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em parceria com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), protagonizou uma das histórias mais marcantes da fauna silvestre em 2024. Bandeirinha, filhote de tamanduá-bandeira e único sobrevivente entre oito animais resgatados das queimadas de setembro, chegou ao hospital com apenas dois meses, em estado crítico, apresentando queimaduras de terceiro grau nas quatro patas, anemia severa e desidratação extrema. “Ele estava gravemente ferido. As queimaduras destruíram camadas profundas de pele e tecido. As trocas de curativos foram feitas diariamente por 42 dias, com limpeza adequada e uso de pomadas específicas para queimaduras graves”, conta Danielle Ferreira, médica veterinária responsável pelo tratamento. Segundo ela, o quadro piorou na primeira semana de internação, quando o filhote apresentou sinais de choque séptico.  “Foi necessário o uso de antibióticos potentes, porque a infecção era causada por uma bactéria multirresistente. Também aplicamos soro glicosado e vasopressores em infusão contínua, já que ele não conseguia manter funções fisiológicas básicas. Chegou a ficar alguns dias em estado semicomatoso”. As dificuldades continuaram ao longo dos meses seguintes. Bandeirinha desenvolveu osteomielite em um dos membros — infecção óssea causada pelo uso de um acesso intraósseo — e também enfrentou um quadro de pneumonia, comum em animais expostos à fumaça de queimadas.  Um dos grandes desafios, no entanto, foi o vínculo emocional com a veterinária. “Ele só aceitava se alimentar comigo. Como filhote órfão, acabou ‘imprintando’ em mim, o que nos obrigou a manter a alimentação sempre sob o meu manejo. Isso é comum em tamanduás, que permanecem agarrados à mãe durante o início da vida”, explica Danielle.     Tratamento e desafios Mesmo diante de tantos obstáculos, o tamanduá apresentou recuperação gradual. “Começamos a introduzir alimentos naturais como formigas e cupins, e o ensinamos a revirar cupinzeiros. Iniciamos também o processo de dessensibilização humana, transferindo ele para um recinto mais afastado”, diz. Segundo Danielle, no último mês, ele passou a demonstrar comportamentos ariscos e até agressivos com humanos. “Foi nesse momento que percebemos: ele estava pronto para receber alta.” Agora, com cerca de 10 meses de idade, Bandeirinha está em fase de aclimatação na Ampara Silvestre, na Transpantaneira, onde terá a oportunidade de recuperar plenamente seus instintos antes de ser devolvido à natureza. “Se ele não se adaptar, a Sema deve encaminhá-lo a um empreendimento de fauna, como um zoológico ou centro de conservação. O tamanduá-bandeira é uma espécie classificada como ‘Vulnerável’ pela IUCN, então tê-lo vivo, saudável e potencialmente reprodutivo é uma vitória enorme para a conservação”, destaca Danielle.     Universidade, Estado e Meio Ambiente A atuação do Hospital Veterinária (Hovet) da UFMT preenche uma lacuna importante no estado. Thais Oliveira Morgado, médica veterinária e chefe do Setor de Animais Silvestres, explica que os atendimentos são feitos em parceria com a Sema, Polícia Militar Ambiental e a comunidade. “Recebemos principalmente animais vítimas de atropelamentos, queimadas ou filhotes órfãos. Também oferecemos atendimento à pets não convencionais mediante agendamento”, afirma. Segundo ela, dos oito animais silvestres resgatados após os incêndios de setembro de 2024, apenas Bandeirinha sobreviveu. “A ausência de um Centro de Triagem de Animais Silvestres no estado torna o papel da UFMT ainda mais essencial. Estamos cercados por três biomas importantes: Cerrado, Pantanal e Amazônia. Cada animal reabilitado e devolvido à natureza é um avanço para a conservação da biodiversidade mato-grossense.” Para Danielle, acompanhar a recuperação de Bandeirinha foi uma experiência transformadora. “Ver um animal que chegou praticamente sem vida hoje forte, saudável e prestes a retornar ao seu habitat é, sem dúvida, uma das maiores recompensas da medicina veterinária e do serviço público”, finalizou.