A recente aprovação do Projeto de Lei nº 2.159/2021, que altera as regras do licenciamento ambiental no Brasil, acende um alerta entre especialistas e defensores da conservação. O texto legal, que transfere a responsabilidade de licenciamento a estados e permite licenciamento automático em diversos casos, pode agravar os já conhecidos desafios de gestão nas áreas protegidas da Amazônia — conforme evidencia um estudo publicado na revista Biological Conservation, conduzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e da Universidade Federal de Goiás.
A pesquisa analisou 261 unidades de conservação (UCs) na Amazônia brasileira, considerando dados oficiais de gestão e biodiversidade. Os resultados revelam um descompasso alarmante entre o valor das áreas para conservação da biodiversidade e os investimentos efetivos em sua gestão. O estudo demonstra que as UCs de maior prioridade para a proteção de espécies ameaçadas e de uso sustentável — como castanha-do-pará e jacarés — são, paradoxalmente, aquelas que apresentam os piores indicadores de gestão e menor acesso a recursos técnicos e financeiros.
Esse cenário tende a se agravar com a nova legislação. O PL 2.159/2021 promove o chamado “licenciamento autodeclaratório”, que dispensa o estudo prévio de impacto ambiental em diversos casos. A medida pode enfraquecer o controle sobre atividades em zonas de amortecimento de unidades de conservação ou mesmo em suas adjacências — justamente as áreas identificadas pela pesquisa como mais críticas em termos de pressão antrópica e menos protegidas por investimentos públicos.
A pesquisa destaca que o desmatamento no entorno das áreas protegidas tem forte impacto em seu interior, corroendo a efetividade das UCs. Aproximadamente 50% das áreas analisadas já apresentavam índices alarmantes de desmatamento interno, mesmo estando formalmente protegidas. A fragilidade na gestão, sobretudo nas UCs administradas por estados ou que não contam com apoio do programa federal ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia), está diretamente associada a essa tendência.
O ARPA, maior iniciativa de financiamento de áreas protegidas tropicais do mundo, tem se mostrado eficaz. As áreas que contam com seu apoio financeiro registram melhores índices de efetividade na gestão e menor perda de cobertura florestal. Porém, mesmo com o suporte do programa, os recursos estão longe de ser suficientes: o custo mínimo estimado para conservar cerca de 80% da Amazônia gira entre 1,7 e 2,8 bilhões de dólares anuais — valor que não tem sido alcançado.
Diante disso, a flexibilização do licenciamento imposta pelo PL 2.159/2021 contraria diretrizes básicas de planejamento territorial e compromete objetivos assumidos pelo Brasil, como a meta global de proteger 30% do território até 2030, estabelecida pelo Acordo de Kunming-Montreal. A ampliação de áreas protegidas sem a correspondente estrutura de gestão já é um desafio; permitir atividades econômicas com menor controle ambiental pode desestabilizar ainda mais esse sistema.
Além dos impactos ambientais diretos, a ausência de um licenciamento rigoroso afeta também populações tradicionais, que dependem dos serviços ecossistêmicos e da estabilidade das áreas de conservação. A pesquisa reforça que o engajamento das comunidades locais e a gestão participativa são componentes centrais da efetividade das UCs, ainda negligenciados em grande parte do território amazônico.
A flexibilização legislativa, sem contrapartidas de fortalecimento institucional e financiamento adequado, representa um retrocesso para a conservação. A pesquisa conclui que investir em gestão é tão estratégico quanto criar novas áreas protegidas. No entanto, com o licenciamento fragilizado, o risco é ampliar as ameaças sem garantir os instrumentos mínimos para enfrentá-las.
A coordenadora de políticas públicas do LIRA/IPÊ – Legado Integrado da Região Amazônica, vinculado ao Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), Fabiana, reforça a necessidade de que decisões nessa área sejam embasadas em dados científicos e análises técnicas. “O estudo reforça a urgência de políticas públicas orientadas por dados, que reconheçam o valor estratégico das áreas protegidas na Amazônia. Sem instrumentos técnicos sólidos como o licenciamento ambiental, o país corre o risco de fragilizar ainda mais os territórios que mais precisam de atenção”, afirmou.
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