“PANACÉIA”: Promovida por Bolsonaro, “tese” da cura da Covid-19, cloroquina desapareceu das farmácias em MT e muitas ainda não repuseram estoques
“PANACÉIA”: Promovida por Bolsonaro, “tese” da cura da Covid-19, cloroquina desapareceu das farmácias em MT e muitas ainda não repuseram estoques
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29/06/2020 - 19:20
Redação
Remédio de fórmula antiga e usado há décadas em Mato Grosso nos garimpos e matas onde existiam focos de malária, o uso da cloroquina (e de sua versão mais moderna, a hidroxicloroquina), repentinamente promovido à exaustão pelo presidente Jair Bolsonaro como espécie de “pílula milagrosa“ para curar o Coronavírus, desapareceu das prateiras dos estabelecimentos farmacêuticos do Estado e virou tema de debate político.
Essa corrida em busca do fármaco, indicado para alguns tipos de doenças reumáticas e, mais especificamente para tratamento da malária, mas sem comprovação científica que pudesse curar o vírus, fez com que muitas pessoas que necessitavam realmente do medicamento para essas doenças para os quais é indicado, ficassem sem o remédio.
Nesta segunda-feira (29), a reportagem do Página Única comprovou que a procura foi tanta que até hoje, várias farmácias de Cuiabá ainda não repuseram seus estoques do medicamento.
Nesse desespero, é de se supor que não faltou a chamada automedicação por parte de pessoas incautas, muitas delas acreditando que o uso indiscriminado da cloroquina pudesse prevenir o contágio pelo vírus, deixando de obedecer regras preventivas - as únicas que existem - como o asseio e distanciamento social, evitando aglomerações.
Pesquisa
Agora, comprovando essa procura desenfreada, dados apontam que em cada cinco brasileiros, um chegou a acreditar que a hidroxicloroquina, propagandeada de forma irresponsável, como uma espécie de “panacéia” capaz de exterminar a covid-19 do organismo humano. A revelação é de pesquisa de opinião sobre os mitos da pandemia, feita pelo instituto Ipsos em 16 países.
Estudo
Embora nenhum estudo com rigor científico apontasse a eficácia do medicamento, ele foi promovido como solução para a crise pelo presidente Jair Bolsonaro - e a tese foi abraçada e amplificada por sua base de apoio nas redes sociais. O resultado é que, na pesquisa, 18% dos entrevistados no Brasil qualificaram como verdadeira a frase "Existe uma cura para covid-19 e ela se chama hidroxicloroquina", enquanto 57% a consideraram falsa. Um quarto da amostra não soube responder.
No ranking da desinformação sobre o tema, os brasileiros só ficaram atrás dos indianos nos 16 países onde o Ipsos fez as mesmas perguntas. Na média desses países, apenas 11% dos entrevistados compraram a ideia de que o medicamento traria a cura.
Na Índia, essa taxa chegou a 37% - o dobro do Brasil. Também lá o governo promoveu a tese de que a hidroxicloroquina ou a cloroquina seriam a solução. Nos Estados Unidos, onde ocorreu o mesmo, 12% acreditaram na eficácia da droga. Já no Reino Unido foram apenas 2%.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a testar a cloroquina em pacientes de covid-19, mas suspendeu as pesquisas no final de maio e em definitivo na metade de junho, após não constatar redução de mortalidade. O medicamento, que nunca foi encarado por médicos e cientistas como cura para covid-19, mas apenas como possível tratamento auxiliar pode provocar efeitos colaterais graves.
No Brasil, a cloroquina esteve no centro de ondas de desinformação sobre covid-19 nas redes sociais - diversos rumores e teorias conspiratórias foram desmentidos pelo Estadão Verifica, desde o início da pandemia. Uma das checagens, realizada em parceria com outros veículos do Projeto Comprova, envolvia a falsa acusação de que um grupo de pesquisadores brasileiros teria aplicado uma dosagem letal de cloroquina em pacientes com covid-19 para causar descrédito sobre o medicamento no tratamento contra a doença.
Entre outros mitos avaliados pela pesquisa Ipsos está o de que a exposição ao sol ou a altas temperaturas previne covid-19. Nesse caso, 22% dos brasileiros entrevistados apontaram a alegação como correta. O boato de que comer alho é uma defesa contra o coronavírus foi encarado como verdadeiro por 7% no Brasil.
O Ipsos fez a pesquisa no final de maio, e a partir desta segunda-feira (29) a distribui entre seus clientes. Foram entrevistadas mil pessoas em cada um dos 16 países participantes. A margem de erro é de 3,5 pontos porcentuais.