NA CONTRAMÃO DO MUNDO: “Abismo ambiental” nos espera, caso política do setor não mude de rota

NA CONTRAMÃO DO MUNDO: “Abismo ambiental” nos espera, caso política do setor não mude de rota
Mário Marques de Almeida Se existe algo novo  por estas bandas mato-grossenses e brasileiras, além do aprofundamento da crise sanitária, social, política e econômica do Coronavírus e suas consequências funestas, que já não é tão “novidade” assim, tanto em termos de vidas que destrói, mas também na economia que corrói, novo mesmo nesse contexto, na acepção da palavra, é o consenso que hoje reúne empresários de vários setores, instituições classistas, principalmente das áreas do agronegócio e das finanças, que são unânimes em afirmar que a atual política ambiental implementada pela gestão de Bolsonaro está transformando o Brasil em uma espécie de “defunto” que pode ficar totalmente alijado de investimentos internacionais – necessários e imperiosos para o país suplantar a recessão econômica que a Covid-19 pode trazer como uma de suas consequências negativas. O que nos move Pelo fato que Mato Grosso, maior produtor nacional de grãos e carnes do país, é de todos os estados brasileiros o principal beneficiário com a tão esperada solução desse impasse ambiental (como também, obviamente, será o mais prejudicado caso o impasse persista), a Direção do Página Única, como o leitor mais atento já deve ter observado, vem dedicando atenção especial em sua linha editorial a todos os acontecimentos que envolvem a questão ecológica e o desenvolvimento sustentável do Estado e do País – duas atividades que a nosso ver, salvo melhor juízo, não podem ser tratadas de forma separadas distintas, mas precisam caminhar juntas e ter a equação de suas demandas e necessidades resolvidas como uma questão de emergência e de prioridade regional e nacional. Sob pena da “luz no fim do túnel” da epidemia, representada por esses dois segmentos (meio ambiente e produção), excepcionalmente reunidos no bioma mato-grossense, se apagar de vez. É com essa perspectiva e visão, sem nenhum exagero, que acompanhamos, aqui, de nossa modesta trincheira editorial esse tema, atento ao que se desenrola em torno do debate. E com espaço aberto a todos quantos queiram dele participar. E a propósito disso, confira entrevista esclarecedora do ex-presidente do Banco Central, Pérsio Arida, concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, e por nós selecionada por se tratar de um texto indispensável para uma melhor compreensão do assunto, que vale a pena ser lido. Na entrevista, Pérsio avalia, em síntese, que o Brasil pode sucumbir em um ”abismo ambiental”, se não mudar a rota de sua política para o setor. Arida participou da fundação do Plano Real e é um dos signatários da carta de ex-ministros da Fazenda e do BC em defesa de uma retomada econômica "verde", que será lançada no dia 14. Ele observa que o presidente Jair Bolsonaro está na contramão do mundo. Veja abaixo os principais trechos da entrevista: O sr. assinou uma carta de ex-presidentes dos BC e de ministros da Fazenda com alertas para o risco da política ambiental do governo Bolsonaro. O problema se agigantou para a economia? Meu primeiro artigo sobre o tema, chamado Pensando a Destruição da Natureza, tem quase 40 anos. Ignorar os efeitos do aquecimento global é praticar roleta-russa seguidas vezes porque nós somos parte da natureza. Diferentemente da covid-19, o processo de degradação do meio ambiente é uma catástrofe em câmera lenta. O que mudou subitamente de um ano e meio para cá foi a postura governamental. As queimadas e o desmatamento da Amazônia, com a desconstrução dos controles ambientais, mostram um governo na contramão do mundo e da história. O governo Bolsonaro fez do Brasil um pária do investimento internacional. O governo insiste na tese que é pressão geopolítica por interesses comerciais do agronegócio. É uma tese errada. O agronegócio brasileiro não precisa desmatar para ser competitivo. Entidades internacionais e países mais avançados nos pressionam porque a preservação do meio ambiente é um problema global. Eles estão certos, mas nós devemos cobrar deles o respeito aos objetivos de emissão de gases poluentes. Quais os riscos do isolamento do Brasil por conta da política ambiental de Bolsonaro? O investimento corporativo no mundo todo é crescentemente orientado pela preocupação com o meio ambiente e as desigualdades sociais. É uma política horrenda com o meio ambiente e extremamente prejudicial à economia. O governo Bolsonaro vai reagir à pressão com mudanças efetivas na política atual? Eu nada espero desse governo. Que dizer de um governo que desrespeita a ciência, se mostra incapaz de coordenar uma política nacional de saúde, incapaz de escolher um ministro da Educação que mereça esse nome ou elogie um secretário da Cultura nazista. No início da pandemia, o senhor escreveu, em um artigo, que nenhuma sociedade tolera seguir com a vida econômica como se nada estivesse acontecendo, enquanto pessoas morrem na fila de espera do hospital. Passados quatro meses, como avalia o resultado do caminho que o governo tomou no combate à pandemia, com a justificativa de preservar a economia? A tese de que é necessário escolher entre economia e saúde é mais uma tese errada. Quem controla a epidemia mais cedo e com mais determinação se sai melhor do ponto de vista da economia também. Como avalia a resposta do ministro Paulo Guedes no enfrentamento dos efeitos da pandemia sobre a economia? Evoluímos muito desde que o ministro disse que, com R$ 5 bilhões, o problema da saúde seria resolvido. Mas a implementação foi falha. Boa parte do dinheiro da saúde não saiu do papel. Os programas de apoio às empresas não funcionaram ou ficaram aquém do necessário. No caso das pessoas físicas, o auxílio de R$ 600 foi mal focalizado. Numa reencarnação da Dilma, o governo deu o monopólio da distribuição do auxílio à Caixa. Obviamente, para se apropriar politicamente dos R$ 600, mas também para a Caixa conseguir ter um amplo cadastro digital de clientes e ficar um pouco mais competitiva. Inacreditável. Em contraste, o Banco Central foi muito rápido e eficaz em aumentar a liquidez na economia. E está tocando bem a agenda de reduzir o spread bancário e aumentar a competição no setor financeiro. Cresceu a pressão para mudanças no teto de gastos. Ele deve mudar no pós-covid para ajudar na retomada? O teto de gastos deve ser mantido após a epidemia. O que não devemos fazer é aumentar impostos. A carga tributária já é muito alta e nossa história mostra que aumentos de impostos acabam abrindo espaço para um novo round de gastos. Da década de 90 para cá, a carga tributária foi de 23% para 33% do PIB e o déficit é maior agora do que era antes. O que é prioridade na agenda para a retomada? Uma coisa é a recuperação cíclica que sempre acontece, até porque não há recessão que dure para sempre, outra coisa é a mudança estrutural no patamar de crescimento. Para sair de forma sustentada do patamar de 1% a 2% ao ano, temos de abrir a economia, fazer uma reforma administrativa para dar eficiência à máquina pública, privatizar para valer, aprovar a reforma tributária e melhorar o aprendizado nas escolas públicas. Nada disso avançou no governo Bolsonaro. Com o fim do bônus demográfico, temos de aumentar a produtividade para crescer. O que acha do "Renda Brasil" que o governo quer implementar para substituir o Bolsa Família? Um dos poucos legados positivos da epidemia foi colocar o tema da renda mínima universal na agenda política. Há ótimas propostas já prontas. Infelizmente não há como gastar mais do que já gastamos, mas unificar e focalizar melhor vários dos programas sociais existentes é um passo importante para reduzir a pobreza. O risco é a apropriação política da renda mínima para fins eleitorais. O ministro Paulo Guedes criticou o Plano Real ao afirmar que, se ele se fosse tão extraordinário, o PSDB não teria perdido quatro eleições. Como um dos formuladores do Plano, como recebeu essa declaração? Ressentimento e inveja são assuntos para divã de psicanalista. O plano foi de um extraordinário sucesso. O presidente Fernando Henrique foi eleito duas vezes no primeiro turno. Na esteira do plano, foram aprovadas as bases de funcionamento do Brasil moderno: Lei de Responsabilidade Fiscal, tripé macroeconômico, montagem das agências regulatórias, as grandes privatizações, o alongamento da dívida do Tesouro etc. A lição que fica é que, quando há uma liderança política capaz de unir o País em torno de uma visão de futuro, capaz de criar uma base parlamentar sólida e montar uma boa equipe, é possível mudar o Brasil.