Opinião Terça-feira, 30 de Maio de 2023, 17:37 - A | A

Terça-feira, 30 de Maio de 2023, 17h:37 - A | A

ENTREVISTA: Marqueteiro analisa uso de Inteligência Artificial em campanhas eleitorais e considera um instrumento legítimo e preocupante

Redação

Para o sociólogo e administrador de empresas, Marcelo Senise, que é especializado em comportamento humano pela Universidade da África do Sul e em Marketing pela ESPM, nós já vivemos em plena Era da Inteligência Artificial. Um dos pioneiros no Brasil no uso de inteligência artificial aplicado ao marketing político e eleitoral, Senise manifesta uma profunda confiança nas I.A.s como ferramentas positivas à serviço da humanidade. Mas, reconhece que estas “criaturas tecnológicas” criadas pelo gênio humano oferecem riscos preocupantes que devem ser mediados por meio de regulamentações criativas e adequadas.

Com a autoridade de quem opera I.A.s no dia a dia de seu trabalho como marqueteiro, nesta entrevista exclusiva, Senise afirma que é preciso regulamentar de forma apropriada o desenvolvimento e uso das I.A.s a fim de manter as garantias de segurança de dados e a democracia, impedir a manipulação de pensamento e da vontade individual.

PERGUNTA - Que papel a Inteligência Artificial (I.A.) vem tendo nas campanhas eleitorais no Brasil?

Marcelo Senise - A Inteligência Artificial (IA) já tem desempenhado um papel significativo nas últimas campanhas eleitorais no Brasil. Os candidatos utilizam a IA para analisar dados eleitorais e entender melhor o eleitorado, segmentando-os em grupos específicos para direcionar mensagens personalizadas. Além disso, a IA monitora as mídias sociais em tempo real, permitindo que os candidatos acompanhem o sentimento dos eleitores e ajustem suas estratégias de campanha. A IA também é empregada na otimização de anúncios e mídia, identificando os melhores canais e formatos de anúncios para alcançar o público alvo de forma mais eficiente. Entretanto, também se tem a notícia que esta tecnologia por ser mais complexa e de difícil rastreamento, vem sendo usada para difusão de conteúdos maliciosos e faz famigeradas fake News. É importante considerar questões éticas, como privacidade e transparência, para garantir a integridade das eleições.

PERGUNTA - Deste o episódio da Cambridge Analytica/Facebook, que sabidamente manipulou o eleitorado nos Estados Unidos na eleição do Trump e o resultado do Brexit na Inglaterra, há uma legítima preocupação com a interferência de I.As, de robos e outras ferramentas digitais na democracia. Como você avalia esse problema?

Marcelo Senise - A interferência de IA, robôs e ferramentas digitais na democracia é um problema legítimo e preocupante, como evidenciado pelo caso Cambridge Analytica/Facebook. Embora o Brasil tenha a LGPD Lei Geral de Proteções de Dados, em minha opinião é necessário estabelecer regulamentações mais abrangente para proteger a privacidade dos dados dos eleitores e garantir a transparência nas campanhas. A alfabetização digital e conscientização dos eleitores sobre os riscos são imperativos. Governos, empresas e especialistas devem colaborar para encontrar soluções equilibradas que promovam o uso responsável da tecnologia e preservem os princípios democráticos.

PERGUNTA - Quando uma I.A. indica que tipo de mensagem específica ou a utilização de um conjunto de códigos verbais, imagéticos e determinados símbolos que um candidato deve exibir para convencer um determinado eleitor, ou categoria de eleitores, a votar nele isso não é, em grau acentuado, uma forma de amortecer o senso crítico do eleitor/receptor e com isso “manipular” a mente do indivíduo e consequentemente, de interferir no resultado concreto da eleição?

Marcelo Senise - Você está abordando uma preocupação válida. Quando a IA é usada para direcionar mensagens específicas e personalizadas para convencer eleitores a votar em um candidato, existe o risco de amortecer o senso crítico do eleitor e potencialmente manipular sua mente. A segmentação precisa e o uso de estratégias persuasivas podem influenciar as percepções e opiniões dos eleitores, afetando o resultado concreto da eleição. É importante destacar que a manipulação de eleitores por meio de mensagens direcionadas não é exclusiva da IA. A publicidade política tradicional também utiliza estratégias para persuadir e influenciar os eleitores. No entanto, a IA amplia essas possibilidades ao processar grandes quantidades de dados e fornecer uma segmentação mais precisa.

PERGUNTA - Você é sócio de uma empresa, a Comunica 360, que usa inteligência artificial para orientar campanhas eleitorais. A I.A. Que vocês operam tem capacidade para mudar a opinião de eleitores? Quais são os limites éticos que balizam a utilização desse recurso nas campanhas que você o coordenou nos últimos anos?

Marcelo Senise - A Inteligência Artificial (IA) pode ter um impacto na opinião dos eleitores, mas não possui capacidade direta e definitiva para mudá-la. Entretanto sua capacidade de análise de gigantescos volumes de dados garante precisão na segmentação de grupos e assertividade absoluta nas estratégias de comunicação para cada um deles. A disputa acirrada da audiência e da atenção do eleitorado é algo vertiginoso. Utilizo desde 2017 a plataforma SCOPO – Sistema de Controle Político, e posso afirmar sem qualquer dúvida que ela foi a grande responsável por todas as campanhas de sucesso que estive a frente ou colaborando. Os limites éticos na utilização da IA em campanhas eleitorais incluem transparência, privacidade e proteção de dados, equidade e imparcialidade, veracidade das informações, e consentimento e controle dos eleitores. É necessário garantir a transparência na utilização da IA, respeitar a privacidade dos eleitores, evitar a discriminação, fornecer informações precisas, e permitir que os eleitores tenham controle sobre o uso de seus dados. Insisto, regulamentações e diretrizes claras são essenciais para garantir o uso responsável e ético da IA nas campanhas políticas.

PERGUNTA - Qual será o papel do ser humano nas campanhas eleitorais e mesmo em outras áreas das atividades laborais dentro dessa realidade em que as I.A.s cada vez mais assumirão o protagonismo dos processos de análise e definição de estratégias para a vida cotidiana no mundo real?

Marcelo Senise - Antes de ser Marketeiro, sou Sociólogo. E isto me dá uma visão um pouco mais abrangente da questão. Hoje a (IA) já assume parte do nosso cotidiano, produzimos rastros digitais em grande maioria Da hora que acordamos e abrimos nosso smartfone até a hora de dormir quando desligamos o celular; quando utilizamos o Waze para definir rotas, usamos aplicativos de bancos, pesquisamos nos sites de buscas, navegamos pelas redes sociais e por aí vai... Embora a inteligência artificial (IA) assuma um papel cada vez mais importante na análise de dados e definição de estratégias, o ser humano continua desempenhando um papel fundamental e insubstituível. Os seres humanos também têm a responsabilidade de supervisionar e controlar o uso da IA, garantindo sua aplicação ética, transparente e de acordo com as regulamentações adequadas. A colaboração entre humanos e IA, aproveitando as respectivas habilidades, é essencial para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que a IA oferece na vida cotidiana.

PERGUNTA - O que você pensa sobre a regulação das atividades das Big techs e das redes sociais que está sendo discutida de forma tão acalorada no Brasil neste momento?

Marcelo Senise - Eu sou favorável a uma regu- lamentação das redes sociais, das I.A.s, sem dúvidas. Mas, em minha opinião esta faltando criatividade aos legisladores. Acredito que você possa regulamentar sem impor qualquer tipo de censura. Por exemplo, pode-se exigir o registro e confirmação de identidade para se manter conteúdos sensíveis por exemplo. Desta forma as questões seriam analisadas caso a caso, dando condições para que a justiça possa responsabilizar os autores ou divulgadores de informações maliciosas ou falsas. Este é só um pequeno exemplo. Acredito que tudo tem como ser auditáveis ou verificado. Claro que isto pode funcionar como enxugar gelo. Mas, em se tratando de tecnologia, especialmente de crimes cibernéticos, enquanto alguns se dedicam a criar métodos para fraudes e crimes das mais variadas formas, existe aqueles que trabalham produzindo vacinas e formas de prevenção a eles. Em primeira mão comunico que hoje existe um grupo de pensadores de profissionais do mercado, advogados, empresários e acadêmicos que vem em ritmo acelerado de conversa com o objetivo de fundar a IRIA - Instituto de Regulação da IA com o objetivo de funcionar como um observatório além de trabalhar na proposta de uma regulamentação adequada para o setor, sem ferir a liberdade, e a livre concorrência.

PERGUNTA - O rápido avanço no desen- volvimento de uma I.A.com “consciência” própria acendeu a luz vermelha entre a comunidade científica e empresarial no início de março que pediu uma pausa de seis meses nas pesquisas. A humanidade pode estar, de fato, a um passo de criar um Hall 9000, uma Skynet apocalíptica ou uma Matrix?

Marcelo Senise - Realmente tem sido assustador a velocidade com que a tecnologia vem se desenvolvendo, e como ela esta presente no dia a dia da sociedade. Waze, Alexia, Google, e tantos outros nos escutam e nos monitoram todo tempo. Já viu quando você fala algo perto de seu celular e de forma mágica minutos depois você está recebendo por algum meio uma publicidade de algo relacionado ao que falou? Embora haja preocupação em relação ao rápido avanço da inteligência artificial e a possibilidade de uma "consciência" própria, é importante destacar que atualmente não há evidências de que a IA tenha alcançado ou esteja próxima de desenvolver uma verdadeira consciência humana. No entanto, é prudente estabelecer regulamentações e limites para o desenvolvimento da IA, garantindo sua utilização ética, transparente e segura. A responsabilidade final pelo controle e supervisão da IA permanece nas mãos dos seres humanos, e o diálogo entre cientistas, empresários, governos e a sociedade é crucial para enfrentar os desafios e garantir que a tecnologia beneficie a humanidade.

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