VULTOS MATO-GROSSENSES – Vicente Bezerra Neto, o jurista que marcou época na política

VULTOS MATO-GROSSENSES – Vicente Bezerra Neto, o jurista que marcou época na política jango e bezerra neto.jpg
Na foto, o então presidente João Goulart (Jango) se dirigindo ao senador Vicente Bezerra Neto (no canto à direita) A partir desta edição, Página Única passa a dedicar um espaço exclusivo para destacar a memória de figuras ilustres de Mato Grosso, em todas as áreas de atividades. Redação Nesta edição o alvo é Vicente Bezerra Neto, político, advogado e jornalista. Ele nasceu em Lavras da Mangabeira, Ceará, em 12 de setembro de 1910, e faleceu em Cuiabá em 25 de maio de 1999. Ocupou mandatos de deputado estadual, chegando a presidir a Assembleia Legislativa de Mato Grosso e foi senador da República. Ele tinha 27 anos, em dezembro de 1939, quando foi parar em Corumbá (hoje, no Estado de Mato Grosso do Sul), para ser jornalista durante o período eleitoral. O jornalista e advogado acabou sendo nomeado Promotor de Justiça, em Corumbá (MS). Cargo que ocupou até 1943. Em 1940, fundou o jornal A Tribuna, em Corumbá. Em 1953, o jornal mudou de nome, passando a se chamar Correio de Corumbá. O jornal fechou em 1965, quando Bezerra já era senador e passava a maior parte do tempo em Brasília. Após concluir o curso de Direito, em 1937, ele formou-se em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1939. Seu registro como jornalista em Mato Grosso é o de número 5, datado de agosto de 1939. Advogado e jornalista atuante, Bezerra Neto entrou na política como deputado estadual, em 1951. Foi deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em duas legislaturas. Deixou a Assembleia, como presidente da casa, em 1958. Neste ano ele não concorreu a nenhum cargo, deixando para voltar à política em 1962, quando concorreu ao cargo de senador da República. Como senador, foi líder do PTB e líder do Governo João Goulart. Com o golpe de 1964 e a criação do bipartidarismo no País, foi um dos responsáveis pela criação do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), juntamente com Ulisses Guimarães. Em 1971 deixou o Senado. Entrevista Em novembro de 1994 Vicente Bezerra Neto concedeu uma longa entrevista ao jornalista Mário Marques de Almeida, para o Diário. Na entrevista, ele falou sobre sua vida. Uma das passagens mais interessantes é sobre a sua vinda para Mato Grosso. Confira trechos da entrevista: No vigor de seus 26 anos, ele residia no Rio de Janeiro, onde atuava como correspondente do jornal Correio do Ceará, do qual havia sido repórter em Fortaleza (tendo sido, inclusive, presidente da Liga dos Repórteres do Ceará). Sua intenção era voltar à terra natal, onde havia antes se formado em Direito, para cuidar da vida. Mas o seu destino estava traçado, fazendo-o tomar um trem na capital de São Paulo, com conexão em Bauru (SP), para embarcar em outro trem (este da Noroeste) até Porto Esperança (à época, fim da linha da ferrovia Noroeste do Brasil), às margens do rio Paraguai, para daí embarcar em um navio para Corumbá. Mas antes da viagem, surgiram os motivos que o levaram a tomar um rumo contrário ao que planejava. "Conheci no Rio de Janeiro - esclareceu Bezerra Neto - Generoso Ponce Filho, mato-grossense, filho do ex-presidente de Mato Grosso (como eram tratados os governadores) e ex-senador Generoso Ponce". Generoso Ponce Filho que também militava na política, tendo chegado a deputado federal, era dono de cartório no Rio e empresário do ramo de cinema, com várias salas de projeção. Um homem rico, portanto. Outra característica de Ponce Filho, que tinha pendores intelectuais e gostava de escrever, era a ligação com os meios jornalísticos da época, onde circulava o jovem Bezerra Neto na condição de correspondente de um jornal cearense. "Generoso, de quem fiquei amigo, chegou para mim e disse se eu não queria ajudá-lo em Corumbá, assumindo a direção de um jornal de seu grupo político", contou Bezerra Neto na entrevista de 94, informando que chegou a relutar, pois seus planos eram o de voltar para Fortaleza. "Vamos ganhar as eleições para prefeito de Corumbá, temos o melhor candidato, só que o nosso grupo não tem nenhum jornalista, alguém que escreva. Estão todos do outro lado. Mas assim mesmo vamos vencer as eleições", ponderava Ponce Filho, afirmando que depois de passadas as eleições, o jovem jornalista e advogado poderia tomar o rumo que quisesse. O candidato a prefeito de Corumbá era Nicola Scaffa (não confundir Scaff, família ilustre de descendência árabe e com ramificações em Cuiabá, Cáceres e Corumbá), que tinha acumulado grande fortuna no ramo de navegação e chegara a montar uma casa bancária, embora fosse homem de poucas letras, quase analfabeto. Um tipo que nasceu para ganhar dinheiro. Ainda no Rio de Janeiro, Bezerra Neto foi apresentado a Scaffa, que também residia na então Capital do Brasil. Combinaram a viagem, mas um desencontro de horário fez com que Bezerra Neto perdesse a conexão em Bauru no mesmo trem de seu novo patrão, retardando portanto a viagem, gastando com hospedagem e, em conseqüência disso, ficou "duro" naquela cidade paulista, só com a passagem até Porto Esperança, mas sem dinheiro para as despesas, como comida no carro-restaurante do trem, já que a viagem durava muitas horas. Como diz o ditado, quem tem estrela não morre pagão, e de fome é que Bezerra Neto não iria padecer. "No trem, conheci um grupo de freiras, que ia para trabalhar em Corumbá. Uma dessas freiras conhecia minha irmã mais velha, também freira em um convento em São Paulo. Conversa vai, conversa vem, ficamos amigos. Elas levavam o farnel (matula) e fui convidado a participar com elas da comida", falou com espontaneidade Bezerra Neto, contando um detalhe de sua juventude que, se fosse um homem orgulhoso, talvez buscasse manter obscurecido. Ao descrever essa peripécia, de ter ficado sem dinheiro em sua viagem, mostra um caráter límpido, de quem não tem nada a esconder. Não deu outra, Nicola Scaffa venceu as eleições para prefeito de Corumbá, cuja campanha tinha como principais líderes João Villasbôas (político do Norte) e Vespasiano Martins (do Sul). Enquanto isso, Bezerra Neto comandava o jornal do grupo, o já citado A Tribuna, do qual seis meses depois passou a ser dono, dirigindo este órgão simultaneamente com um bi-semanário que também montou: Correio de Corumbá, tendo mais tarde fundado ainda a revista Cidade Branca. "Nicola Scaffa foi um grande prefeito. Abdicou de seus salários como chefe do Executivo, doando os proventos para as entidades beneméritas da cidade (entre as quais as mantidas pelas freiras que Bezerra Neto conheceu no trem), e fez muitas obras importantes", relatou o próprio Vicente Bezerra Neto. Passadas as eleições, o grupo político vitorioso exigiu que Bezerra Neto assumisse o cargo de promotor de Justiça, que naquele tempo era nomeado. " Assumi a promotoria com apenas um condenado, quando deixei o cargo tinham mais de 30 bandidos atrás das grades, condenados graças ao nosso empenho na acusação", relembrou em 94.