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DE MT PARA O BRASIL: Pegue carona com ‘seo’ Chico caminhoneiro e conheça uma trajetória de 40 anos ao volante
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24/05/2019 - 12:00
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Por Mário Marques de AlmeidaConheça um pouco da trajetória de cerca de quatro décadas na cabine de um caminhão de Chicão, 'seo' Chico ou simplesmente Francisco que a partir da época quando morava no Paráná, há cerca de 30 anos, e hoje residindo em Mato Grosso há 10 anos, já cruzou todos os quadrantes do Brasil, dirigindo caminhões de cargas desde os tempos que não havia as enormes carretas de nove eixos, câmbio automático, ar refrigerado na cabine e direção hidráulica. “Um conforto de limousine, comparado aos caminhões de antigamente”, exalta.Começou fazendo fretes em toscos caminhões da marca FNM, “queixo duro”, ou seja sem direção hidráulica e câmbio manual onde “era preciso engatar no tempo certo, para não engolir marcha”, explica ele, sob pena do caminhão, quando se tratava de uma subida, voltar para trás e, “aí salve-se quem puder”...“Caminhoneiro é pouco conhecido pelo nome de registro de nascimento”, resume 'seo' 'Chico, o entrevistado, com exclusividade, pela reportagem do Página Única, quando perguntado pelo seu nome completo. Mas informou que diminutivos do nome ou mesmo apelidos predominam no setor de transportes rodoviários de cargas. “Nada contra... - para, pensa um pouco e conclui -: Quem carrega crachá com o nome e foto é motorista de ônibus”, diz. Pedindo para não ser fotografado, barrigão de fora, bermudão - o jeito como se encontrava. O ventre volumoso, ele atribui à falta de exercícios físicos, por ficar a maior parte do tempo sentado ao volante. "E também pelo excesso de comida gordurosa" que consome nas estradas, pontua.Sentindo dificuldades em avançar a conversa por esse lado de saber o nome completo do condutor, o jornalista mudou a pauta da entrevista e só dessa maneira, soube que ele tinha 60 anos de idade.“Nasci no sertão da Bahia, mas fui registrado em um lugarejo de Pernambuco, para onde meus pais se mudaram. Minha certidão – escreve aí, faz questão de pedir ao repórter -, porém, foi feita cinco anos após meu nascimento, mas minha mãe exigiu que constasse no cartório o dia exato em que vim ao mundo, pois senão nem eu hoje saberia quantos anos tenho”.Aos 15 anos, já órfão de pai, mudou-se em companhia da mãe e duas irmãs mais velhas, para o interior do Paraná. “Fui puxar enxada, capinando lavouras de café. Virei, como se diz hoje, mão de obra escrava de um tio meu que trabalhava como “gato’ e trazia nordestinos ‘boia-frias’, inclusive parentes como eu, para derrubar mato e capinar. Ele ficava com o lucro e nós com o sofrimento. Apenas não passávamos fome, como ocorria nas grandes secas do Nordeste”, conta.Relata que uma das coisas boas, segundo ele, que aprendeu foi dirigir tratores e caminhões nas fazendas para onde ia trabalhar.“Aos 18 anos, tirei carteira de habilitação, montei num velho FNM e desde então não sai mais das estradas”.Atualmente, ele dirige uma carreta Scânia de nove eixos, com duas caçambas, com sete anos de uso, mas ostentando aparência de nova.“É minha casa ambulante, pois dos 365 dias do ano, mais de 300 passo dentro da cabine”.“Aprendi desde pequeno que a gente pode ser pobre, mas não ‘porco’ e asseio cabe em qualquer lugar”, para, em seguida, abrir a porta da cabine a fim que o jornalista constatasse a limpeza e organização do pequeno espaço, onde cabe uma TV, um mini frigobar, sistema de refrigeração, cama ampla atrás dos assentos do motorista e onde cabem mais dois caronas na parte dianteira.Chamou a atenção do repórter um ventilador, pelo fato que o local já é refrigerado. “Não consigo dormir com ar condicionado, que só uso quando estou dirigindo”, justifica.Diz que com a escassez de bons fretes, o que ganha mal sobra para as despesas com diesel, pedágios e a compra de pneus, troca de óleo lubrificante e outros itens de manutenção periódica e que precisam ser repostos no caminhão, como correias e suspensão, entre outros materiais.“O que me salva é que o caminhão é meu, já está pago e entendo ‘mais ou menos bem’ de mecânica – e a maioria dos defeitos que vão surgindo, conserto em oficinas de amigos onde uso apenas o espaço. A mão de obra é minha, além das ferramentas”, apontando para uma grande caixa, tipo baú, fixada em cima da carroceria. “Todas ferramentas que preciso carrego ali”. Ele também informa que, sempre que sobra um tempo, socorre colegas de estrada com caminhões quebrados. “Faço minhas ‘gambiarras” e assim ele consegue chegar a cidade mais próxima e evita ser assaltado em beira de rodovia”.Reclama, no entanto, que não é dono de seu destino. “Muitas vezes pego carga de Rondonópolis para São Paulo ou Paraná e de lá surge outro frete para o Espírito Santo, onde nem sempre acerto um retorno para Mato Grosso, mas aparece um frete para Pernambuco, e lá vou eu”, detalha.Quando desta entrevista, ele estava em sua residência e não na “casa ambulante” que ele deixou para receber um ‘capricho” em lava-jato.“Estava com saudades da ‘veia’ – abraça carinhosamente a esposa – e do ‘rango’ que ela faz”, enfatiza. Após quase 90 dias longe do lar, ele diz que já estava “enjoado’ da comida que ele mesmo preparava na ‘cozinha’ do caminhão” - um compartimento afixado em uma das laterais da carroceria e onde guarda alimentos não perecíveis, um pequeno fogão de duas bocas, duas ou três panelas, frigideira, alguns pratos e copos.“Vou tirar uma semana para curtir meus netos e minha mulher, pois meus três filhos estão casados e encaminhados na vida”, encerra.