LEITURA OBRIGATÓRIA: Vale muito ler artigo do jornalista Ricardo Kotscho onde ele aponta que "o avanço do bolsonarismo nos templos e nos quartéis ameaça a fé e o futuro"

LEITURA OBRIGATÓRIA: Vale muito ler artigo do jornalista Ricardo Kotscho onde ele aponta que
O veterano profissional da Imprensa brasileira descreve com as tintas da realidade turbulenta do País o que  pode ser, bem mais que uma crise política em dimensão jamais vista na história brasileira, uma crise maior de identidade da própria nação, ameaçada em sua institucionalidade por forças obscurantistas, atrasadas e com forte viés autoritário e antidemocrático. Pelas assertivas do artigo, nós, deste modesto Página Única, reproduzimos o texto em sua íntegra, como uma contribuição de nossa parte à causa da Democracia, pelos riscos que o sistema corre. Leia o artigo: BALAIO DO KOTSCHO Ricardo KotschoColunista do UOL Em mais de 50 anos de cobertura de eleições, nunca tinha visto nada parecido nem na época da ditadura militar. Sem conseguir criar um partido, o capitão Jair Bolsonaro, no exercício da Presidência da República, levou a campanha eleitoral para dentro dos quartéis e das igrejas, suas principais bases de sustentação, provocando uma anarquia institucional que perdurará ainda por muito tempo, qualquer que seja o resultado da eleição do dia 30. O Brasil nunca mais será o mesmo. Em quatro anos de avanço do bolsonarismo, que rachou o país ao meio entre o "bem" e o "mal", o capitão defenestrado do exército degradou de tal forma a vida política do país, ao levar generais, pastores, milicianos, a sua família e a fina flor do baixo clero para o centro do poder, que já não podemos dizer que vivemos numa democracia digna desse nome. Viramos um "Bolsonaristão", um país do outro mundo da terra plana, que não tem registro nos mapas e nos livros. No vale tudo para conseguir a reeleição e escapar da Justiça, o atual governo subverteu os três poderes, transformou púlpitos em palanques e quartéis em comitês eleitorais, dando uma banana para o ordenamento jurídico e os limites impostos pela Constituição num país laico. Bolsonaro não respeita nada nem ninguém. Esta semana, infiltrou-se com sua tropa de assalto uniformizada de verde e amarelo até nas celebrações religiosas do Círio de Nazaré e de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. Levou uma traulitada da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), mas não se abalou com isso. Seus devotos vaiaram Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida e os padres que celebravam a missa. Dançando e tomando cerveja em canecas para saudar o "Mito", ameaçavam jornalistas e perseguiam quem estava de roupa vermelha, como se estivessem num churrasco em Rio das Pedras. "O bolsonarismo é destruidor. Não respeita a experiência religiosa. É divisionista, é faccioso e não tem nenhuma solidariedade genuína com a experiência da fé. Usa a religião, ou melhor, é uma expressão do fundamentalismo religioso", resumiu o pastor, ativista e escritor Henrique Vieira, eleito deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro. Para o pastor, o bolsonarismo é a religião capturada pelo fundamentalismo, tornando-se máquina de produção de ódio, violência e sofrimento, ou seja, tudo o que Dom Orlando Brandes condenou em sua homilia. "A fé não pode ser projeto de poder", disse Vieira, em entrevista ao portal Brasil 247. Com Bolsonaro, já deixou de ser um projeto. Assim como as igrejas, também as Forças Armadas foram capturadas pela seita bolsonarista, misturando os interesses do governo com os das instituições militares. Em abril de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, a pesquisa XP/Ipespe captou a primeira variação na confiança pública _ uma queda de 70% para 66%. Em junho de 2021, a taxa de credibilidade das Forças Armadas baixou ainda mais, para 58%. Não encontrei pesquisas mais recentes, mas acho que o Datafolha poderia programar uma avaliação da credibilidade das nossas instituições ao final deste governo. O envolvimento dos militares no processo eleitoral este ano, a mando de Bolsonaro, colocando em duvida a segurança das urnas eletrônicas, produziu apenas uma grande lambança, que no fim não deu em nada, e certamente não contribuiu para melhorar a imagem das Forças Armadas, tratadas pelo presidente como órgãos do governo, embora a Constituição as defina como instituições do Estado. No começo do ano, o capitão chegou a afirmar que ele e as Forças Armadas não fariam "papel de idiota" nas eleições. Há controvérsias. Sempre que pode, Bolsonaro lembra que é o "chefe supremo" das Forças Armadas, de onde ele foi saído com desonra e opróbrio, depois de planejar atos terroristas que o levaram a passar uma temporada na prisão. Por isso, resolveu entrar para a política, e deu no que deu. Nenhum governante inimigo foi capaz até hoje de desmoralizar tanto nossas instituições como Bolsonaro. Nem Nelson Rodrigues, nos seus piores momentos, seria capaz de criar um personagem tão perverso como esse, capaz de submeter toda uma nação aos seus caprichos e vinganças. Apesar de tudo, o presidente improvável ainda conta com o apoio de quatro em cada dez brasileiros, segundo as últimas pesquisas, em que ele não acredita. Com ele ou sem ele, porém, o bolsonarismo ganhou vida própria para assombrar o nosso futuro. Faltam ainda 15 dias para as eleições, que demoram a passar. Como será que estaremos no dia 1º de janeiro de 2023? Vida que segue. ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL