PF suspeita que desembargador pegou R$ 100 mil para liberar militar

 PF suspeita que desembargador pegou R$ 100 mil para liberar militar
Os investigadores apuram a influência de Zampieri e Andreson sobre uma decisão do desembargador João Ferreira Filho, que libertou o sargento, sob o argumento de que o “simples fato de o investigado ser policial militar não é fundamento suficiente para mantê-lo preso”. O Estadão busca contato com o desembargador, via Assessoria do Tribunal de Justiça e Associação de Magistrados de Mato Grosso. O espaço está aberto. Os detalhes do caso investigado pela Polícia Federal constam da decisão em que o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, deu aval para a abertura da Operação Sisamnes - investigação que, no último dia 26, prendeu Andreson, apontado como chefe de um ‘verdadeiro e ousado comércio’ de sentenças no Superior Tribunal de Justiça. Nem Zampieri, que foi assassinado a tiros em dezembro passado, na frente de seu escritório em Cuiabá, escapou da ofensiva - seu antigo escritório foi vasculhado pela PF. O sargento beneficiado com a ordem de soltura assinada pelo desembargador Ferreira Filho também foi alvo da Operação Sisamnes. O ministro Zanin mandou expedir uma ordem de busca e apreensão em endereços de Victor Ramos de Castro. A defesa do militar afirmou que o pedido de liberdade do sargento foi feito em audiência de custódia e “pautada na legalidade do direito de liberdade do mesmo”. “Se trata de pessoa idônea e jamais fora ventilada qualquer hipótese de propina a quem quer que seja”, registrou a advogada Lúcia de Souza, que representa Castro. O nome do militar é citado quatro vezes no despacho da Operação Sisamnes, no tópico em que foi averiguado o despacho sobre sua soltura em 2021. As suspeitas nasceram de um diálogo de Andreson e Zampieri em 26 junho de 2021. Nessa conversa, o lobista encaminhou ao advogado um documento ligado a um auto de prisão em flagrante, sob responsabilidade do Plantão Judicial da Comarca de Sorriso, em Mato Grosso. Andreson disse que seria um “assunto para Zampiri ver” e que o “juiz ainda não se manifestou”. A conversa transcorreu assim: Roberto Zampieri: Mas se não soltar, entre com o HC, e eu corro nele. Fico no seu aguardo. Já falei com ele. Andreson: Ok. Roberto Zampieri: Me avise se não der lá em Sorriso. Aqui eu consigo. Andreson: Se não soltar aí já vai deixar pronto o HC. E vamos para cima. Roberto Zampieri: Que bom. Eu acho que solta hoje o seu amigo e o piloto. Andreson: Ok. Naquele dia, o sargento da Polícia Militar Victor Ramos de Castro havia sido detido em flagrante por suposta associação criminosa armada e porte de arma de fogo de uso permitido. Ele estava custodiado no Batalhão da Polícia Militar de Primavera do Leste (a 240 km de Cuiabá) e teve sua prisão convertida em preventiva - quando não há data para terminar. Dois dias depois, Andreson e Zampieri falaram sobre o fato de o desembargador estar designado para o plantão judicial no Tribunal de Justiça de Mato Grosso entre os dias 25 de junho e 2 de julho. Zampieri revelou estar bem informado dos movimentos do magistrado, indicando ao parceiro que já teria conversado com Ferreira Filho. “Ele vai despachar ainda hoje, só não disse o horário.” Cruzando as informações das mensagens com o andamento do processo sobre o qual Andreson tinha interesse, a PF descobriu que João Ferreira Filho mandou soltar o PM “na precisa data comentada por Zampieri”. Ferreira, de fato, mandou soltar Victor, investigado, à época, por supostamente participar de associação criminosa armada e com fim de coagir pessoas. O desembargador argumentou que a cópia do auto de prisão em flagrante do PM não tinha as informações básicas necessárias para que se verificasse os requisitos para a prisão preventiva, em especial informações que justificassem a detenção “como medida destinada à garantia da ordem pública e para garantia de aplicação da lei penal”. O desembargador anotou que não era um caso de reiteração criminosa, que o PM tinha domicílio fixo, que não havia indício de fuga e, ainda, que não havia comprovação sobre tentativa de destruição de prova.” Análise dos autos demonstra, tão somente, que a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, e que indeferiu o pedido de revogação da segregação flagrancial, encontra-se fragilmente fundamentada; afinal, o simples fato de o investigado ser policial militar não é fundamento suficiente para mantê-lo preso”, alegou o magistrado, à época. CONTRAPARTIDA FINANCEIRA - Nos dias subsequentes à soltura do sargento da PM, o advogado passou à cobrança de “honorários” - o que, na visão do ministro Cristiano Zanin “evidencia verdadeiramente, que havia um acordo para soltura do beneficiado do habeas corpus mediante contrapartida financeira”. Roberto Zampieri: Andreson, por favor aperte senhor do HC, esse cidadão está muito folgado. Quando precisa a gente [sic] se desdobra e atende o pedido, e agora não cumpre o combinado? Aperta esse cidadão. No dia 12 de julho, após Zampieri enviar dados bancários, Andreson transferiu para sua conta R$ 100 mil por meio da empresa Florais Transportes Eireli - a Polícia Federal suspeita que a empresa seria usada pelo suposto lobista de sentenças para o pagamento de propinas a magistrados e servidores. OUTRO LADO - A defesa do sargento Victor Ramos afirmou que o pedido de liberdade do sargento foi feito em audiência de custódia e pautada na legalidade do direito de liberdade do mesmo. O processo foi conduzido com lisura e seriedade. Ademais, o sargento Victor Ramos se trata de pessoa idônea e jamais fora ventilada qualquer hipótese se propina a quem quer que seja.