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Arcebispo de Cuiabá, Dom Milton integra hierarquia da Igreja Católica que discute em Roma temas sobre a Amazônia que incomodam Bolsonaro
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04/10/2019 - 11:17
DOM MILTON
Redação
O arcebispo de Arquidiocese de Cuiabá, Dom Mílton Antônio dos Santos integra a delegação de representantes da Igreja Católica que a partir deste domingo (6) participam do Sínodo da Amazônia, em Roma, cujo encontro vai até o dia 27 deste mês..
Visto como de perfil moderado em temas polêmicos e controversos, com uma formação teológica e cultural sólida, Dom Milton exerce seu sacerdócio no mais alto posto da hierarquia católica em Mato Grosso sem a “exposição”, digamos assim, e o protagonismo de seu antecessor, Dom Bonifácio Piccinini.
Trajetória
Ordenado em 1974, foi designado bispo da diocese de Corumbá em 31 de maio de 2000, sendo ordenado em 20 de agosto do mesmo ano. Foi nomeado arcebispo coadjutor da arquidiocese de Cuiabá em 4 de junho de 2003, assumindo em 9 de junho de 2004. Com a morte de Dom Franco Dalla Valle, bispo da diocese de Juína, foi nomeado administrador apostólico daquela diocese, entre 2 de agosto de 2007 e 12 de novembro de 2008.
O Brasil tem do Sínido que acontece no Vaticano: 58 bispos da região amazônica, além de outros nomes na cúpula do encontro presidido pelo papa Francisco e que provocaram reações negativas no governo Jair Bolsonaro. O pontífice convidou cientistas, nomes ligados à Organização das Nações Unidas (ONU), representantes de igrejas evangélicas, de ONGs e povos indígenas. A previsão é de mais de 250 participantes.
Dos oito demais países da região pan-amazônica (nações que possuem em seus territórios parcelas da mesma floresta), as maiores delegações de bispos vêm de Colômbia (15), Bolívia (12), Peru (11), Equador (7), Venezuela (7), Guiana (1), Guiana Francesa (1) e Suriname (1). Ao todo, são 185 “padres sinodais”, clérigos com direito a voto nos temas a serem debatidos na assembleia.
O papa convidou representantes de igrejas evangélicas – cuja presença expansiva na Amazônia é uma das preocupações do sínodo católico. Seis deles estão entre os chamados “delegados fraternos”, sendo quatro brasileiros: o historiador Moab César Carvalho Costa, evangelista da Igreja Assembleia de Deus em Imperatriz (MA); o reverendo Nicolau Nascimento de Paiva, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; e dois nomes da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – Daniel Dos Santos Lima, membro da Comunidade Anglicana de Manaus (AM), e o reverendo Cláudio Correa de Miranda, vice-coordenador do Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs.
Há também nomes de fora da hierarquia católica, como o procurador da República Felício de Araújo Pontes Júnior, especialista em direito das populações indígenas e o linguista Tapi Yawalapiti, cacique que representará 16 tribos do território do Alto Xingu, no Mato Grosso.
O sínodo será encerrado em 27 de outubro, com uma missa do papa Francisco na Basílica de São Pedro. O evento também marcará a canonização de Irmã Dulce. Os resultados do sínodo, que serve como encontro de consulta do papa à Igreja, só serão conhecidos após a exortação apostólica que será proferida pelo pontífice.
Alguns temas que serão discutidos
De forma geral, o Sínodo dos Bispos é uma reunião de autoridades da Igreja Católica com o Papa para discutir e propor soluções para um tema específico da Igreja (entenda). Foi criado em 1965 por Paulo VI. Em outubro de 2017, Francisco convocou o sínodo sobre a Amazônia.
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Embora seja um evento típico da Igreja, os sínodos tocam em pontos mais abrangentes – cultura, política, economia, desenvolvimento, etc. Além de falar, por exemplo, da falta de padres e da crescente presença evangélica na Amazônia, os membros da Igreja devem fazer críticas que associam as causas dos problemas ambientais da região aos fatores que acentuam a pobreza, a violência e a desigualdade social.
Essa mobilização dos bispos despertou incômodo no governo do presidente Jair Bolsonaro, que vê nos temas do Sínodo uma ameaça à soberania nacional (veja o vídeo abaixo). O "instrumento de trabalho" que orienta o sínodo tem críticas fortes ao modelo de desenvolvimento que vem sendo aplicado na Amazônia nas últimas décadas.
Trechos do documento que indicam pautas ambientais:
Água: "Como refletem as consultas às comunidades amazônicas, a vida na Amazônia se identifica, entre outras coisas, com a água. O rio Amazonas é como uma artéria do continente e do mundo, flui como veias da flora e fauna do território, como manancial de seus povos, de suas culturas e de suas expressões espirituais. [...] A bacia do rio Amazonas e as florestas tropicais que a circundam nutrem os solos e, através da reciclagem de umidade, regulam os ciclos da água, energia e carbono a nível planetário. O rio Amazonas lança sozinho todos os anos no oceano Atlântico 15% do total de água doce do planeta."
Mudanças climáticas: "... convém destacar que, segundos peritos internacionais, no que diz respeito à mudança climática de origem antropogênica, a Amazônia é a segunda área mais vulnerável do planeta, depois do Ártico. [...] a mudança climática e o aumento da intervenção humana (desmatamento, incêndios e alteração no uso do solo) estão levando a Amazônia rumo a um ponto de não-retorno, com altas taxas de desflorestação, deslocamento forçado da população e contaminação, pondo em perigo seus ecossistemas e exercendo pressão sobre as culturas locais. Níveis de 4° C de aquecimento, ou um desmatamento de 40% constituem “pontos de inflexão” do bioma amazônico rumo à desertificação, o que significa a transição para uma nova condição biológica geralmente irreversível. E é preocupante que atualmente já nos encontramos entre 15 e 20% de desmatamento."
Vida ameaçada: "...a vida na Amazônia está ameaçada pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população amazônica. De modo especial a violação dos direitos dos povos originários, como o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios."
Extrativismo e conservacionismo: "Os projetos extrativos e agropecuários que exploram inconsideradamente a terra estão destruindo este território, que corre o risco de 'se savanizar'. A Amazônia está sendo disputada a partir de várias frentes. Uma responde aos grandes interesses econômicos, ávidos de petróleo, gás, madeira, ouro, monoculturas agroindustriais, etc. Outra é a de um conservacionismo ecológico que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazônicos."
Desenvolvimento e governos: "... os clamores amazônicos refletem três grandes causas de dor: (a) a falta de reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios dos indígenas, que fazem parte integral de suas vidas; (b) a invasão dos grandes projetos chamados de 'desenvolvimento', mas que na realidade destroem territórios e povos (por ex.: hidroelétricas, mineração – legal e ilegal – associada aos garimpeiros ilegais [mineiros informais que extraem ouro], hidrovias – que ameaçam os principais afluentes do Rio Amazonas – exploração de hidrocarbonetos, atividades pecuárias, desmatamento, monocultura, agroindústria e grilagem [apropriação de terras valendo-se de documentação falsa] de terra). Muitos destes projetos destrutivos, em nome do progresso são apoiados pelos governos locais, nacionais e estrangeiros; e (c) a contaminação de seus rios, de seu ar, de seus solos, de suas florestas e a deterioração de sua qualidade de vida, culturas e espiritualidades."
Terra: "O território se transformou em um espaço de desencontros e de extermínio de povos, culturas e gerações. Há quem se sente forçado a sair de sua terra; muitas vezes cai nas redes das máfias, do narcotráfico e do tráfico de pessoas (em sua maioria mulheres), do trabalho e da prostituição infantil. Trata-se de uma realidade trágica e complexa, que se encontra à margem da lei e do direito."
Urbanização: "Tanto o acelerado fenômeno da urbanização, como a expansão da fronteira agrícola através dos agronegócios e até o abuso dos bens naturais, levado a cabo pelos próprios povos amazônicos, se acrescentam às já mencionadas graves injustiças. A exploração da natureza e dos povos amazônicos (indígenas, mestiços, seringueiros, ribeirinhos e também aqueles que vivem nas cidades), provoca uma crise de esperança."
Migração: "Os processos migratórios dos últimos anos acentuaram também as mudanças religiosas e culturais da região. Perante os rápidos processos de transformação, a Igreja deixou de ser o único ponto de referência para a tomada de decisões. Além disso, a nova vida na cidade nem sempre torna possível realizar os sonhos e as aspirações, mas muitas vezes desorienta e abre espaços para messianismos transitórios, desconectados, alienantes e sem sentido."
Ecologia integral: "A ecologia integral se baseia no reconhecimento da relacionalidade como categoria humana fundamental. Isto significa que nos desenvolvemos como seres humanos com base em nossos relacionamentos conosco mesmos, com os outros, com a sociedade em geral, com a natureza/meio ambiente e com Deus. Esta integralidade vincular foi sistematicamente salientada durante as consultas às comunidades amazônicas."