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Historiadores analisam vídeo de Alvim, mentor da Cultura de Bolsonaro com a propaganda tipo "lavagem cerebral" de Goebbels, ideólogo de Hitler
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18/01/2020 - 05:28
ALVIM
Cenários semelhantes e conteúdos iguais: Roberto Alvim e Joseph Goebbels
”Jorge Paulino e Igor Rocha*
Roberto Alvim, dramaturgo de certo sucesso, apesar de jovem, deu várias guinadas na sua vida. A pior delas, com certeza, foi assumir a secretaria especial de Cultura do governo Bolsonaro.
De imediato, mandou seu recado atacando a atriz Fernanda Montenegro, fato criticado por muita gente expressiva do teatro e da cultura. Agora, em meio à repercussão da indicação do documentário Democracia em Vertigem ao Oscar, manda outra mensagem. Em pronunciamento para anunciar os novos incentivos e prêmios da sua secretaria, apresenta uma encenação ridícula fazendo óbvia referência ao ministro de Propaganda Nazista de Hitler, Goebbels.
Exonerado por Jair Bolsonaro após o desastre, devido a reações indignadas e pressões dos mais diversos setores da sociedade brasileira, inclusive por aqueles considerados de direita, Alvim deixa como legado um vídeo que entrará para a história como um flerte aberto com o nazismo. O discurso parafraseia de maneira perturbadora o ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels.
Quem primeiro apontou a terrível semelhança foi o site Jornalistas Livres: "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada." (Roberto Alvim, Secretário Especial de Cultura do Governo Bolsonaro)
"A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada." (Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, conforme Joseph Goebbels, Uma Biografia", de Peter Longerich, publicado no Brasil pela editora Objetiva).
As similitudes aparecem não somente nos trechos dos discursos, mas na música de fundo – Lohengrin, ópera de Richard Wagner, compositor preferido de Hitler – e na própria montagem de cena.
Homem do teatro, Alvim sabe compor cenários. O quadro do comandante, a posição do enunciador, a cruz jesuíta: nada ali é por acaso. A comparação de imagens joga por terra a justificativa – dada pelo secretário após a desastrosa repercussão – de que tudo não passaria de uma coincidência.
Há mais. Em A arte dos regimes totalitários do século XX, historiadora da arte, da imagem e da cultura Vanessa Beatriz Bortulucce oferece algumas chaves de entendimento para a forma e o conteúdo da mensagem: "A estética nazista apoiou-se em um sistema forte e sólido de propaganda, que tinha de ser simples, dirigido às massas, e concentrado no menor número de elementos possível."
Em termos formais, o vídeo de Alvim é austero. Sem efeitos especiais ou de pós produção, mantém o foco no enunciador. Com auxílio dos elementos cênicos – bandeira, foto de Bolsonaro e crucifixo jesuíta – remete a pontos centrais (poucos) que serão enfatizados na fala: patriotismo, o autosacrifício do líder, a fé. Textualmente: "As virtudes da fé, da lealdade e do autosacrifício da luta contra o mal serão alçados ao território sagrado das obras de arte."
"As ideias nacional-socialistas eram repetidas de vários modos e várias vezes, girando em torno de aspectos emocionais como amor e o ódio."
O recurso às emoções é evidente em diversos trechos do pronunciamento. Um dos mais eloquentes: "O presidente me pediu que eu faça uma cultura que não destrua, mas que salve a nossa juventude".
"Por meio da continuidade e da uniformidade constante da sua aplicação, a propaganda, concluiu Hitler, conduziria a resultados além da compreensão humana."
Exemplos desse efeito "misterioso" também estão presentes na fala do secretário: "A cultura é a base da Pátria. Quando a cultura adoece, o povo adoece junto".
"Goebbels dizia que se uma mentira fosse contada mil vezes ela se tornaria realidade." A reiteração, por sua vez, é mais bem percebida na já dissecada estratégia bolsonarista de campanha permanente nas redes sociais.
Pelos dados levantados pelo pesquisador Rodrigo Ratier, que estuda redes bolsonaristas no WhatsApp, o vídeo de Alvim cruzou todas as fronteiras e, até o momento, não tem sido usado como peça no aplicativo de troca de mensagens. Os apoiadores do presidente têm preferido enfatizar a "reação rápida" de Bolsonaro e a insinuar que o ministro possa ter sido induzido ao erro por algum "auxiliar esquerdista".
"Era necessário, de acordo com a lógica do nacional-socialismo, compartilhar as angústias da população, bem como atribuir um certo encantamento ao cotidiano tedioso e cinzento do cidadão comum. Neste sentido, o uso pelo partido de archotes, estandartes coloridos, hinos e saudações foram fundamentais para a obtenção de efeitos grandiosos e sentimentos de grande autoestima nacional."
Em sua fala, Alvim valoriza a "nobreza de nossos mitos fundantes" combinando três elementos terrenos – "a pátria, a família e a coragem do povo" – com um transcendental – "e sua profunda ligação com Deus" – para apresentar a ligação céu-Terra que passa a amparar "nossas ações na criação de politicas púbicas".
Visto como um todo, o vídeo representa um passo ousado da guerra cultural da extrema direita. Importante ressaltar que sua motivação foi o lançamento de editais na área cultural. Prêmios para música, histórias em quadrinhos, literatura e outras áreas. Sobressai a proposta da "reconstrução" da cultura brasileira. E uma "reconstrução" como projeto de estado.
Essa é, talvez, a semelhança mais perturbadora com a propaganda nazista: seu tom triunfalista. O fascismo do século 20 buscou abertamente uma espécie de renascimento perante a "arte degenerada" de seu tempo. Referenciou-se num passado idealizado, mas também projetou um futuro grandioso. Alvim ressalta elementos parecidos, mas adaptados à realidade nacional. Podemos discutir a qual passado glorioso Alvim remete, que parece difuso.
Mas a "arte degenerada" do presente talvez seja mais simples de identificar. Esta seria, conforme a narrativa predominante nessa extrema direita, toda a forma de expressão cultural que não reforce um ardil reacionário.
Seria contrário a qualquer cultura popular relacionado a minorias, pensamento crítico ou arte politicamente engajada – exceto se o engajamento for conforme o que essa extrema direita brasileira prescreve. É contra aquilo que considera "ideológico" na cultura, entendendo "ideológico" como qualquer coisa que não siga à risca a agenda da extrema direita.
Certamente se dirige contra instituições que representam a excelência do pensamento crítico brasileiro, como é o caso recente da Casa Rui Barbosa e a interferência, nela, de Alvim. Procura, acima de tudo, reescrever a história brasileira, alinhando-se a negacionismos históricos com questões sensíveis nacionais, como a ditadura civil-militar e a escravidão. Apagar essas tensões está no cerne desse nacionalismo ultraconservador do bolsonoarismo, depreendido desse discurso.
Quanto a um projeto de futuro, aponta-se talvez a maior particularidade da política cultural do bolsonarismo: o forte apelo pentecostal, nas figuras da "família" e outros apelos ao conservadorismo cristão.
O projeto dessa "arte da próxima década" de Alvim é triunfalista como o de Goebbels, mas o tipo de narrativa nacionalista proposto por ambos é distinto nesse ponto. O "brasileiro" de Alvim é conservador, fundamentalista cristão – não necessariamente na fé, mas certamente quanto a um tipo de visão de mundo, além de ser um nacionalista que acolhe narrativas diversas, mesmo de minorias, desde que alinhadas, conformadas e hierarquizadas sob um todo esvaziado de tensões e conflitos.
Alvim mostra que o governo Bolsonaro está disposto a fazer na área cultural aquilo que fóruns mais obscuros da extrema direita atribuem à famosa e mal compreendida Lei Rouanet, criada ainda sob o governo Collor: usar a política cultural do estado brasileiro, aparelhada ideologicamente, para disseminar a própria ideologia do governo.
*Jorge Paulino é professor de História da Arte na Faculdade Cásper Líbero. Igor Rocha é doutor em História pela UFMG
Secretário de Cultura de Bolsonaro também usou fundo musical preferido de Hitler
SAIBA MAIS SOBRE GOEBBELS
JORNAL NACIONAL
Braço direito de Hitler, Goebbels era ministro da Propaganda do nazismo
Joseph Goebbels teve papel decisivo na adesão da sociedade alemã ao projeto nazista de Hitler. Ele dizia que ‘uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade’.
O ministro de Adolf Hitler, que inspirou o discurso de Roberto Alvim, demitido da Secretaria da Cultura, foi das figuras mais monstruosas do regime nazista. Goebbels foi um antissemita raivoso, responsável por difundir a ideia de que o povo judeu era o inimigo a ser aniquilado.
Braço direito de Adolf Hitler, Joseph Goebbels teve papel decisivo na adesão da sociedade alemã ao seu projeto nazista. Foi ele quem inventou a máxima: uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.
Ministro da Propaganda da Alemanha, montou a estratégia de comunicação e cultura para disseminar os ideais do nazismo, inclusive o antissemitismo, usado como base de uma das maiores barbáries da história: o Holocausto, o extermínio de milhões de judeus na Europa durante a Segunda Guerra Mundial.
No período em que Adolf Hitler comandou o país, entre 1933 e 1945, Goebbels acabou com a imprensa livre na Alemanha, que tinha mais jornais que a França e a Inglaterra, e passou a controlar a informação e todas as expressões da arte alemã.
O cinema foi um dos principais instrumentos da propaganda de Goebbels. Os filmes mostravam uma Alemanha próspera e feliz com a supremacia da raça ariana.
Nenhum cantor podia compor sem autorização do governo. Nenhum escritor podia publicar um livro sem a permissão de Goebbels. Artistas considerados subversivos foram presos e levados para campos de concentração.
Muitos cientistas e intelectuais, como Thomas Mann e o físico Albert Einstein, deixaram o país.
A frase de Goebbels que Roberto Alvim usou foi dita originalmente em um pronunciamento para diretores de teatro no dia 8 de maio de 1933. Dois dias depois, houve uma grande queima de livros na Alemanha, uma estratégia do Ministério da Propaganda nazista de Goebbels.
Esse ato - que teve grande repercussão na época - é considerado o auge da perseguição nazista a intelectuais, especialmente escritores. Hoje há um memorial em Berlim para relembrar esse dia, para que ele nunca volte a acontecer.
Quando o regime nazista foi derrotado na Segunda Guerra Mundial e Hitler se suicidou, Goebbles fez o mesmo dias depois: envenenou os seis filhos e se matou junto com sua mulher.
Historiadores dizem que o objetivo de Hitler e Goebbels ao tentar controlar a cultura alemã era dar sustentação ao nazismo e ao nacionalismo exacerbado e espalhar suas ideias pelo mundo. Por isso a arte não poderia ser livre.
“Uma arte livre significa a pluralidade, a diversidade, as diversas visões de mundo que todas as pessoas têm o direito de ter. Num regime autoritário não pode haver adversário. Se houver adversário, ele vai ser visto como inimigo. Não pode haver nenhuma manifestação, nenhuma ideia que contradiga a verdade oficial do regime autoritário. Exatamente por isso, nesse tipo de regime a cultura desempenha um papel essencial. Por isso, ela tem que ser dirigida pelos detentores do poder”, disse o historiador da UnB Antônio José Barbosa.
A historiadora e antropóloga da USP Lilia Moritz Schwarcz afirmou que a semelhança entre o discurso nazista e o do ex-secretário de Cultura Roberto Alvim é inegável.
“Porque Goebbels também partia da ideia da que era preciso começar a cultura do zero, e o nosso ex-secretário diz: ‘Vamos renascer’. A cultura vai renascer, o que se supõe que ela estava morta. Não sei onde ele achou que estava morta. E também, enfim, ele reproduz toda, aí sim, e a retórica de Goebbels, que era um craque da retórica, que talvez o nosso ex-secretário não fosse”.
Muitos cientistas e intelectuais, como Thomas Mann e o físico Albert Einstein, deixaram o país.