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O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) atendeu um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e determinou que o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes Ferreira se retrate e pague indenização por fala discriminatória contra o povo Bóe Boróro em entrevista.
Na sentença, o governador tem que fazer a exclusão do trecho ofensivo.
Só que para o MPF esta condenação não foi suficiente. Por isso, recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) pedindo a reforma de dois pontos da decisão, para incluir o pedido público de desculpas e definir valores considerados suficientes para reparar os danos morais individuais e coletivos.
A atuação teve início em julho de 2024, quando o MPF pediu ao governador esclarecimentos sobre fala discriminatória contra indígenas da etnia Bóe Boróro durante entrevista concedida pelo político em janeiro daquele ano. Em entrevista a veículo de grande repercussão nacional, Ferreira afirmou que os indígenas teriam “inventado” um “corredor espiritual” para obstar a construção de uma ferrovia ligando o município de Rondonópolis ao médio norte do estado.
Em 2025, o MPF propôs ação civil pública e a Justiça Federal proferiu reconhecendo a ilicitude da conduta. Porém, foi negado o pedido de retratação pública e fixadas indenizações por danos morais individuais e por danos morais coletivos, no valor de R$ 50 mil cada. Valores bem abaixo dos pleiteados na ação, de R$ 1,5 milhão e R$ 1 milhão, respectivamente.
Retratação pública – O recurso sustenta que a negativa do pedido público de desculpas contraria a jurisprudência e a função reparatória da condenação. O MPF argumenta que a imposição da retratação pública é amparada pela jurisprudência em casos de agressão discriminatória veiculada em meio de comunicação de grande abrangência nacional.
Ao contrário do defendido na sentença, o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi afirma que "a retratação não depende da sinceridade subjetiva do ofensor, mas, sim, da necessidade de restaurar, publicamente, a honra e a dignidade de um povo que foi publicamente acusado de 'inventar' crenças (o corredor espiritual) para fins escusos. O ato visa a mitigar os danos na porção não econômica da condenação, assumindo o transgressor a responsabilidade por suas ações”. A condenação deve, portanto, incluir a apresentação de pedido público de desculpas em cerimônia a ser definida pelos próprios indígenas.
Indenizações – O valor de R$ 50 mil por dano moral coletivo definido na sentença foi classificado pelo MPF como "irrisório e desproporcional diante da gravidade da conduta, da condição do ofensor e da necessária função punitivo-pedagógica da indenização por dano moral coletivo". O recurso destaca que a fala do governador, proferida em rede nacional, incitou a discriminação racial ao referir-se aos indígenas como dissimulados, capazes de inventar crenças para prejudicar o progresso.
Em casos semelhantes, mas expressada por personalidade bem menos popular e com muito menor repercussão, o TRF1 fixou indenização de R$ 200 mil para danos coletivos. “Considerando, então, o alto grau de repercussão da fala do apelado, sua posição de autoridade e a natureza discriminatória da acusação, é imperiosa a majoração do dano moral coletivo, que deve refletir um montante justo e capaz de ser um desestímulo efetivo para não se repetir ofensa”, afirma o procurador no recurso.
O MPF também defende que os R$ 50 mil para danos individuais são insuficientes, pois a ofensa atingiu a honra, as crenças e as tradições de todo o povo Bóe Boróro, causando "profunda tristeza" e "abalo psicológico". Na apelação, o órgão reafirma que o valor de R$ 1.554.432,00 pedido foi calculado correspondendo a um salário mínimo por pessoa, visto que a indenização individual deve alcançar o total de membros da comunidade afetada.
De acordo com o órgão ministerial, a ofensa foi contra a própria dignidade da pessoa humana. O governador, “ao pôr em xeque a ética e a integridade dos indígenas e suas crenças, demonstrou desprezo pelas suas manifestações culturais e religiosas", concluiu Ardenghi.
Ação civil pública nº 1003058-19.2025.4.01.3600
(COM MPF)
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